A enclavar desde 2005

«São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim, porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.»
Professor Agostinho da Silva





01 maio 2013

Trabalho

Andava na barriga da minha mãe e já trabalhava numa passagem de nível (mas aos 3 meses comecei literalmente a ver passar os comboios durante 12 horas consecutivas por dia).

Apanhar milhã (uma erva que crescia no meio dos campos, principalmente de arroz), para arranjar uns raminhos que a minha avó Rosa levava para o mercado D. Pedro V (o antigo), que seriam comprados para alimentar passarinhos engaiolados em casas mais abastadas e cujo dinheirito, pouco como se imagina, dava para aos Domingos ir ver o Sporting Clube Ribeirense e comprar bananins, pevides, tremoços (ao ti Sarilho ou à ti Estrela) ou mais provavelmente jogar matraquilhos no ti Ramiro (sim porque não podia ser sempre a técnica do rabo do pente ou as caricas achatadas pelo comboio que se assemelhavam às moedas de um escudo (das grandes) e com alguma paciência se introduziam na ranhura...

Na escola primária (1º ciclo) dava "explicações" a dois ou 3 colegas que me ofereciam, voluntariamente, claro está, tangerinas (um colega de classe tinha ameixas vermelhas e outras amarelas), quase que ainda lhe sinto o cheiro...

Ainda nestas idades (1º e 2º ciclo), ganhei umas "lecas" a apanhar caracóis (eu e vários amiguinhos vizinhos escolhemos estes animais por correrem pouco). Nada disso! Hovue uma procura muito grande (até para exportação) e em algumas semanas, juntávamos vários quilos e as notas eram grandes...

Quando adolescente aproveitava as férias (principalmente as de Verão que na época eram mesmo "férias grandes", para ser um "faz tudo" numa empresa de frio industrial e comercial. Desde o escritório, onde aprendi a saturar-me de ouvir RFM (as músicas eram as mesmas nos 4 períodos em que a ouvia: 7-10, 10-13, 13-16 e 16-19), fiel de armazém (sabia os nomes dos parafusos niquelados, cabeça de tremoço, etc... distinguia tubo inox de "meia" do de "três oitavos" e apontava todo o material que saía, num papel que depois era junto para uma determinada obra numerada (a famosa expressão: "qual é o nº de obra?"), também no bar, onde à custa de treinar a tirar cafés, ainda hoje não gosto do sabor nem aprecio o cheiro. Na carpintaria (onde mais me realizava, pois com um berbequim e uma aparafusadora, conseguia ver a estrutura aumentar (às vezes fora de esquadria, mas com umas pancadas com o malho que o meu amigo "Pimpas" lhe dava, a coisa lá se arranjava. Na serralharia, em que tive um "oficial" altamente, com quem estava horas a fio numa quinadeira, onde numa pequena distracção (e eram tantas...), lá podia ir um dedo, uma mão, ou um braço inteiro. Também na mecânica/electricidade, onde a assistência técnica ou as montagens de equipamento fora das instalações da fábrica normalmente eram os pontos altos...

Ainda antes de ter idade para conduzir, fiz uns estudos de mercado, através de questionários a profissionais de salões de cabeleireiro, onde conheci o "farandol" e outras marcas de produtos/tintas.

Aos dezoito, com a carta de condução bem fresquinha, fui motorista e feirante (feirante, pouco, pois apenas ajudava a montar uma pequena barraca e só tinha que me entender com os outros vendedores - ciganos na sua maioria por causa da partilha dos espaços); motorista numa Sherpa muito mais velha do que eu com um botão de aquecimento da resistência necessária para pegar, que quase me deixava o dedo dormente, lá me aventurava para os 4 na Barreira, 3ªs e 6ªs em Condeixa e às 4 e pouco da manhã, para a Ega (era a feira que mais gostava, pois podia ir de directa e às 10 da manhã já estava em casa para poder dormir ou ir às aulas na Faculdade).

Ainda na Faculdade (Coimbra era a capital das fotocópias e das sebentas e a queima das fitas tinha muitos jantares...), lá ia fazendo umas mudanças (às vezes de mobílias, ou até de um piano - coisa mais pesada!!!), ou levar umas cargas de rações para aves ao Minho e trazer sacos de 50 Kg de milho (carregados "à unha", pois então!).

Também me calhou trabalhar numa empresa multinacional de origem alemã, onde aprendi a respeitar os horários (30 minutos para almoçar, pausas de 5 minutos e cada ida à casa de banho implicava uma paragem nas máquinas de injecção plástica que no final do turno eram contabilizadas). Produziam-se componentes para máquinas de slides e outros aparelhos ligados à fotografia. Gostei da experiência de trabalhar por turnos (16 - 24 era o meu preferido).

Fiz muitos funerais em vários distritos do país, trasladei dezenas de cadáveres das enfermarias dos hospitais para as capelas mortuárias e (como costumo dizer na brincadeira... "vesti mais mortos do que despi vivas"). A camaradagem era perfeita e o profissionalismo superava os sentimentos (confesso que quando eram pessoas das minhas relações, me escusava a fazer os serviços). Talvez pela tenra idade (sub-21), nunca me fez qualquer confusão pegar num caixão ou enfiar umas meias a um "presunto". Estava tão familiarizado com esse ofício que cheguei mesmo a tombar um carro fúnebre (não ia lá nenhum caixão ou cadáver, mas os comentários das pessoas que chegavam ao local eram dignos de ser registados).

Talvez por todas estas andanças (principalmente depois dos 17 anos, quando entrei para a Universidade), nunca tenha tido o prazer de chumbar e andar por lá um ano lectivo apenas com 2 ou 3 cadeiras por semestre como outros colegas, verdadeiramente a passear os livros. Mas confesso que em algumas alturas do ano os invejava muuuuito. Pois a vida é para ser aproveitada e quando se tem 20 anos e se é estudante universitário, há muuuuito para aproveitar (se é que me faço entender...). Claro que não me queixo, pois aproveitei bem a minha parte!!!

Com isto tudo, dei por mim com 21 anos à frente de turmas de 30 alunos, alguns com a minha idade (pois até iam para a tropa a meio do ano lectivo) e cheguei a deparar-me com uma srª contínua (auxiliar de acção educativa), que não me deixava requisitar o retroprojector, porque tinham ordens para serem apenas os professores a fazê-lo (os alunos não podiam), o que fazia de mim praticamente um docente imberbe.

Daí para cá, têm sido 19 anos de docência e formação, de dia, de noite, a adultos e crianças, ciganos, portadores de deficiência e sobredotados. 

Parece que nunca me caiu nenhum braço, guardei grandes amizades e consegui conservar um sorriso fácil, por isso... viva o dia do trabalhador!!!

Nota: apenas referi o que de alguma forma me dava compensação monetária, pois durante muitos anos, fui voluntariamente socorrista num serviço de ambulância, onde vivi situações intensas e camaradagens que deixaram saudades.

P.S. - este "missal" deu-me muito prazer escrever, por isso, sugiro que façam o mesmo com o vosso passado laboral (vão ver que deixam um legado aos vossos descendentes e conseguem recordar muitos bons momentos).

9 comentários:

Ana disse...

Ah trabalhador;)
muito bem, faz falta a muita gente uma aprendizagem assim, que nada cai do céu!
beijinhos

Santa disse...

Brutal, num minuto consegui ver parte da minha infância!!
Sem compensação monetária, deste-me explicações e ao Jorge Leitão, onde aprendi (para além de qualquer coisita de matemática), que o humor negro (que tu tanto gostas), é uma arte que hoje está entranhada em mim!!
Para além disso, vi também a tua bicicleta de quadro descaído (lembras-te dela), penso que era alaranjada, (mais tarde tiveste uma "Montanha").
Tb vi as minhas aulas de música com o teu irmão Carlos, (possivelmente dever-lhe-ei o músico em que me tornei, bom ou mau, já tive e continuarei a ter as minhas alegrias, e têm sido muitas na música).
Vi também, o Raposo e o Barbosa da tal empresa de frio onde também fui um Moço (é assim que se diz no porto, aos que são indiferenciados). Nessa tal empresa de frio, também tirei cafés, limpei o balcão do bar, carreguei o frigorífico várias vezes, apoiei na medida do possível as tarefas para as quais era chamado, fui alvo de gozo natural, pelo facto de ser um miúdo sem experiência a quem no primeiro dia de trabalho, pediram um "Chiole" (será assim que se escreve?), e a quem deram uma Botija de Gaz Catalífico, só para terem o gozo de me verem a atravessar a oficina com a tal botija que era bem maior do que eu!! Isso também me moldou, e ajudou a ser quem sou, por isso, também estou grato!!
Pedro, a tua bicicleta montanha, pendurada na Amoreira, (essa imagem tenho-a guardada até hj na minha memória)!!!
E tantas outras, que para não ferir susceptibilidades, é melhor não relatar!!! Foi ler o teu texto!! É giro perceber que todos fazemos parte da vida de todos!! Obrigado!! Abraço
Santa

Elisabete disse...

Bem, Que currículo! Estás de parabéns.
Agora, goza o feriado.

JPG disse...

Ana:

Se custou, claro!!!

Mas levava "na boa", assim custava menos :)

Beijinho

JPG disse...

Santa:

É verdade, Amigo. Recordar é sempre bom e quando se tem tanta malta porreira e tantas peripécias (algumas em comum), ainda melhor.

Aquele abraço!

JPG disse...

Elisabete:

Parabéns, nada.

Fiz (e faço) pela vida, como tantos outros.

Apenas me lembrei de o colocar por escrito (embora haja algumas actividades que não estão enumeradas).

Beijinho e bom feriado.

AJS disse...

Não falaste nas aventuras com "nilos" e "benfeitos", nem em dar cabo da paciência do "Joaquim Loba", saltando pelas guritas das bilheteiras e arrasando as marcas do campo e as redes... enfim, bons tempos e muitas saudades

Também foram directas da Queima para funerais, e mais que muitas...

E os patos, de Pínzio....

ficavamos aqui o resto da semana.

Grande abraço.

Álvaro disse...

Cuidado quando falam nos Nilos, respeito. :)

JPG disse...

Eheheheh!

Ai os Nilos...

E os saguis????